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O futuro dos profissionais financeiros no Brasil

O mercado de serviços financeiros no mercado brasileiro está à beira do que pode ser uma grande mudança.

05 set 2024

    3 MIN DE LEITURA

    Por Cauê Mançanares, CEO da Investo

    Regulações impulsionam mudança 

    Tudo começa com as já conhecidas novidades trazidas pela CVM, que editou mudanças importantes para o mercado de assessoria de investimentos em suas Resoluções nº 178 e 179. Editadas em fevereiro de 2023, as normas começaram a ser implementadas em junho do mesmo ano, com a efetivação completa prevista para 1º de novembro de 2024. 

    As principais alterações são relacionadas a transparência. Daqui a menos de três meses, o valor da remuneração distribuída ao assessor deverá ser informado ao cliente, em relatórios trimestrais. A intenção do órgão regulador é permitir que clientes tenham uma visão mais clara sobre quanto estão pagando pelo serviço prestado, especialmente para prover mais transparência ao modelo de comissionamento.  

    • No modelo fee based, a remuneração do profissional ocorre por meio de uma taxa pré-determinada, cobrada anualmente sob o patrimônio investido. 
    • No modelo comission based, o pagamento é feito indiretamente por meio de comissões distribuídas pelos produtos vendidos. 

    Embora ambos os modelos coexistam no Brasil, o de comissionamento é o mais comum no mercado. Estimativas apontam que cerca de 95% do setor utiliza essa forma de remuneração. Nesse modelo, é frequente que o investidor não tenha clareza sobre quanto paga pelo serviço prestado, mesmo quando há tentativas por parte do prestador de explicar os custos envolvidos. Muitas vezes, o cliente pode até sentir que não está pagando pelo serviço. E essa sensação de gratuidade contribui para a resistência dos próprios clientes em migrar para um modelo fee based, onde os custos são mais transparentes e explícitos. As novas normas têm o potencial de esclarecer essa realidade, comprovando a máxima de que, no mercado financeiro, não existe almoço grátis. 

    O objetivo não é induzir o leitor a preterir um modelo ou outro, afinal não existe modelo inerentemente bom ou ruim. Contudo, mudanças que contribuam para tornar o mercado financeiro mais transparente são positivas – para o mercado e para os clientes. 

    Impacto no Reino Unido 

    Ainda que não possamos prever com precisão o impacto das novas regulamentações no mercado brasileiro, é importante observar como movimentos semelhantes têm alterado outros mercados. Um exemplo notável ocorreu no Reino Unido, onde a Financial Conduct Authority (FCA) implementou a Retail Distribution Review em 2012. A iniciativa proibiu comissões em determinados produtos e exigiu maior clareza sobre recomendações e remunerações de profissionais. Como resultado, a participação do modelo de comissionamento caiu drasticamente, de mais de 80% em 2012 para menos de 20% em 2018. A importância da comissão na composição da receita dos escritórios de investimento também caiu, passando de 56% em 2013 para 13% em 2021. Países como Canadá e Estados Unidos, que adotaram medidas similares, também registraram uma redução significativa na prevalência do modelo de comissionamento. 

    Fonte: Financial Conduct Authority 2022 

    Não é absurdo imaginar, portanto, que movimento semelhante possa acontecer no Brasil em um futuro próximo.  

    Implicações transcendem remuneração 

    Esse tipo de alteração tende a causar implicações significativas não somente na forma de remuneração, mas também no portfólio sugerido ao cliente. A redução de incentivos para indicar produtos que gerem maior comissionamento abre espaço para a ampliação de recomendações de produtos mais baratos, líquidos e transparentes, como os fundos passivos negociados em bolsa de valores (Exchange Traded Funds – ETFs). 

    As vantagens de adicionar produtos passivos ao portfólio são tão evidentes que sua participação no mercado de fundos não para de crescer. Em dezembro de 2023, dados da MorningStar apontam que fundos passivos ultrapassaram os de gestão ativa nos Estados Unidos pela primeira vez na história (U$ 13,3 trilhões contra U$ 13,2 trilhões em ativos sob gestão). É interessante pontuar que a mudança de preferência não partiu apenas dos investidores pessoa física, mas principalmente de profissionais de investimento, como gestores, consultores e assessores, que alteraram a forma como executam seu trabalho, priorizando a eficiência e a transparência. 

    Fonte: Financial Times & MorningStar  

    O uso de fundos passivos traz facilidade de alocação e reduz necessidades de giros frequentes em portfólios – que tendem a ser montados de forma mais estratégica e menos tática. Isso nos leva a uma questão importante: com a necessidade de giro reduzida, poderia uma estratégia de investimento ser totalmente automatizada?  

    Inteligência artificial 

    Fator que adiciona mais peso às mudanças futuras na atuação de profissionais da indústria financeira é o uso cada vez mais intenso de inteligência artificial. Hoje ferramentas gratuitas são treinadas para realizar análise de dados e cenários econômicos, parametrização de perfis de investidor e até mesmo montagem de carteiras e recomendações. Robôs consultores já oferecem serviços online de consultoria financeira automatizados que podem atender uma ampla gama de clientes com custos significativamente menores.  

    Dados do Statista Market Insights indicam que, em 2023, esse tipo de solução alcançou cerca de USD 2,76 trilhões em ativos sob gestão, um aumento expressivo comparado a 2017. Até 2027, a expectativa é que o valor ultrapasse USD 4,5 trilhões. 

     * Projeção.

    Fonte: Statista (2023) 

    No Reino Unido, uma pesquisa mostrou uma crescente aceitação do público por esses serviços, destacando a conveniência e a personalização que eles podem oferecer. 

    Fonte: Financial Conduct Authority – Evaluation of the impacto of the Retail Distribution Review and the Financial Advice Market Review  

    O futuro da profissão 

    Diante desse cenário de profundas evoluções regulatórias e tecnológicas, é natural que surjam algumas dúvidas: com o aumento de transparência, uso crescente de produtos passivos e a aplicação massiva de inteligência artificial, como fica a carreira de profissionais de investimento? Seria o início do fim das carreiras de assessoramento financeiro?  

    Não é isso que os dados indicam. Pelo contrário. Estudos apontam que clientes contratam profissionais de investimento por motivos que não envolvem necessariamente a busca por rentabilidades maiores ou uma gestão ativa da carteira. Quando questionados sobre os principais motivos em contratar aconselhamento financeiro, as necessidades listadas pelos entrevistados são outras, como: 

    • Paz de espírito nas decisões financeiras 
    • Ter acesso a opinião de um especialista sobre suas finanças 
    • Delegar decisões financeiras difíceis 
    • Ter confiança para investir  
    • Aconselhamento comportamental  

    O papel do assessor ou consultor financeiro continuará altamente relevante, mesmo com a ascensão dos fundos indexados, ferramentas de IA ou novas regras de transparência. A interação humana no processo de investimento é fundamental, pois envolve compreender profundamente as necessidades individuais, objetivos e tolerância ao risco de cada cliente. Isso exige conhecimento cada vez mais especializado e profunda compreensão humana. Soluções eficientes e de baixo custo não substituem a necessidade de interpretar nuances pessoais e emocionais nas decisões financeiras – o que é algo inerentemente humano e difícil de ser replicado por algoritmos. 

    Além disso, investir é um processo intrinsecamente comportamental. A psicologia das finanças, traduzida em extensas disciplinas de economia comportamental, desempenha um papel crucial nas decisões de investimento, e profissionais qualificados são essenciais para ajudar os clientes a navegar por seus vieses e armadilhas psicológicas.  

    O mercado evolui e os profissionais do ramo devem se adaptar, mas sua relevância permanece firme em um cenário financeiro cada vez mais complexo e dinâmico. 

     Artigo originalmente publicado na edição de agosto na Investing.com